Quem dá, quem dá
Passas para as caraças
Castanhas para as aranhas
Bolinhos para os santinhos.
Dia 1 de Novembro era dia de pão-por-deus. Ia com as duas primas, sacas na mão, pedir os santos. Às portas entreabertas, dizíamos a lenga-lenga e lá vinha alguém, pôr umas mãos-cheias de doces nas sacas. Às portas fechadas, batíamos, mas a aldeia é como é, há casas que estão vazias, sempre a conheci mais ou menos assim, passava-se à porta seguinte. Às vezes nem se dizia a lenga-lenga, ou só se dizia entredentes, o gesto chegava, mãos a segurar o saco aberto.
Os doces eram castanhas, nozes, os rebuçados preciosos, uma vez por outra uma romã, na padaria davam bolos, lembro-me de alguém me dar uma nota de 500 escudos, fortuna incalculável na altura.
Quando as sacas começavam a ficar pesadas, as minhas primas, na altura tão mais velhas que eu (agora já somos mais da mesma idade) levavam a minha, até que voltávamos a casa para descarregar e percorrer o resto das ruas.
Em algumas casas perguntavam, ó menina, e quem és tu?, lá vinha a explicação, netas do ti panelas, elas as filhas da senhora professora, eu a filha do senhor engenheiro, acabávamos sempre por ser primas ou sobrinhas da velhota em questão, e vinham os beijinhos, na altura fazia-me impressão o cheiro de alguns velhos, sustia a respiração e dava o beijinho, pronto, já está.
Quando as minhas primas ficaram crescidas demais para ir pedir os santos, juntava-me a outros miúdos, um ano levei a martinha, uma amiga de lisboa. Juntámos o espólio de ambas numa bacia grande e no fim da colheita dividimos. Escrupulosamente. Metade das castanhas para cada uma, metade das nozes (nozes grandes, nozes pequenas). Com os rebuçados era mais complicado, havia diferentes tamanhos, sabores, caramelos de caramelo, caramelos de fruta, rebuçados rijos. Dividíamos equitativamente, e para tratar das sobras, dos rebuçados desirmanados, tínhamos um cuidadoso sistema de conversão que contemplava todas as variáveis (um sugus vale o mesmo que um caramelo, um rebuçado de limão dos grandes vale um de morango dos pequenos). Acho que no fim ficámos as duas satisfeitas com a divisão.
No fim de tudo, já de volta a lisboa, punham-se as nozes num frasco, as castanhas noutro, os rebuçados noutro. Em cima da bancada da cozinha. Lembro-me.
Só soube do halloween muito mais tarde, para mim o 1 de novembro era o dia de pão por deus, de ir pedir os santos.
é a penúltima linha da minha morada, enquanto aprendo matemática no MIT.
terça-feira, novembro 01, 2005
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3 comentários:
Oi rita... acabaste de descrever exactamente o meu dia de santos de quando era pequena... exactamente... Que bela recordacao... jokas
e é tão bom lembrar tudo isso! quase dá para sentir o cheirinho dos rebuçados a desfazerem-se na boca, dos caramelos a colar aos dentes, das cascas rugosas das nozes ou lisinhas das castanhas. tão bom...!
beijinhos.
Para mim era o "Dia do bolinho". Ia-se de porta em porta (parece-me que esta tradição é uma constante) e pediam-se bolinhos. Com o passar dos anos começaram a haver mais guloseimas de compra, mas nos primeiros anos eram bolos caseiros! Nham, nham! E era um tipo que se aguentava imenso tempo! Nos anos verdadeiramente bons havia bolos para o lanche durante semanas! Lembro-me de ver a minha mãe fazer bolos desses também. O resto dos hábitos do dia de todos-os-santos seriam iguais aos teus. Repartir o espólio (com o meu irmão), os beijinhos às velhotas que me conheciam (o que numa aldeia onde eu vivia mesmo quer dizer 10% das velhotas), etc.
Tive de escrever "apxox" para escrever este comentário. Pensei que gostarias de partilhar isto comigo :)
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