Hoje chorei ao abrir uma garrafa de vinho do porto. Rainha Santa, porto velho. Mais velho ainda do que o velho que diz o rótulo porque esta garrafa herdei-a inadvertidamente do meu avô. Da minha avó.
Quando se me foi a avó, ficaram-me umas poucas memórias, eu era tão nova, não deu tempo para mais. Mas ficaram também as coisas da loja: cadernos quadriculados com carros de corrida na capa, cuecas azuis e castanhas tamanho único para criança com uma rendinha aos esses preta à volta, carrinhos de linhas de coser com que foram subidas e baixadas todas as bainhas da minha infância. Quando se me foi o avô, muitos anos depois em contas de criança, ficaram-me por uns dias pesadelos de que o resto da família me morria também, por uns meses o medo de ver um fantasma a dormir no quarto dele, e para o resto muitas memórias do tempo que tivémos com ele. E ficaram, para nós descendentes, todas as coisas: mantas, cobertores, lençóis; copos, pratos, talheres; selas, uma carroça, lenha; móveis, mapas, os óculos; tanta tanta coisa de que é feita a vida de homem. E ficaram também as garrafas velhas, ainda do tempo da minha avó, da loja e da tasca. Este ano reencontrámo-las. Cheias de pó, ainda seladas. Esta escolheram-ma, levas esta, vai contigo. Rainha santa, porto velho. Mais velho ainda do que o velho que diz o rótulo. Nem sequer era porto de envelhecer na garrafa, este, avô. Cheia de pó, a garrafa. Esta noite chorei ao abri-la. A rolha a sair só metade, o resto a esfarelar-se lá para dentro, e eu a chorar. Por lamechice. Por ter sido um tempo que já passou.
Esta noite bebi um porto. À tua memória, avô. E à tua, avó. E às memórias que tenho do tempo que tive contigo e contigo.
4 comentários:
Olá filhota. É bom que te lembres deles e saboreies de todas as formas o seu legado. Bjs. P e M
És tão linda!...
Eles (literalmente os genes deles) vivem através de ti pelo que estão sempre contigo... é sempre bom estar em boa companhia :)
enquanto tu abrias coisas antigas eu andava nas antiguidades www.pcv.pt
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