a L.

A L. tem oito anos e o que para mim é a terrinha para ela é a terra. Nunca tinha visto o mar nem ido à praia, e foi passar uma semana de férias connosco. Diz que
a areia escorrega
as ondas empurram
o mar é fixe
Diz também meia dúzia de "ai mãããe" por dia, com sotaque beirão, quando se admira com qualquer coisa.
E de vez em quando encaixa mão dela na minha, sorrateiramente, e está atenta a todos os meus movimentos, segue-me com o olhar ou inteira, um misto de admiração por mim e não ter muito mais que fazer.

A L. é corajosa, aprendeu a fazer carreirinhas nas ondas, mergulha até ao fundo na piscina, aceita o meu desafio de nadar de um lado ao outro, vai ver os gatos sozinha, desvia o olhar ou tapa os olhos quando passamos perto de banhistas nus, gosta de ser enterrada na areia até ao pescoço, ganha-me quase sempre num jogo de tabuleiro que trouxe na mala, jogámos uma batalha com as cartas até ao fim, tem vestidos lindos, é muito mais morena que eu, põe-me protector solar nas costas de manhã, e eu a ela, acha que os postes de alta tensão não parecem homens com chapéu mas sim cabritinhos vacinados duas vezes (no que tem toda a razão, parecem muito mais cabritinhos), gosta de olhar para as crianças pequeninas, chega-se ao meu lado da cama à noite, não dorme a sesta e desenha lindamente, até ganhou um prémio e tudo. Ah, e quer ser mecânica de automóveis como o pai, era esse o tema do desenho.